quarta-feira, 19 de setembro de 2012

fim

(pra nunca mais falar disso)

No começo era doce, como delicada sobremesa que se saboreia com gosto e desliza garganta abaixo, aveludada e macia.

Mas a receita desandou sob as mãos pesadas de tanto mexer panelas. E os ouvidos, como os de um mercador, acostumaram-se à cantilena irritante de vincos tortos e colarinhos amassados.

Os olhos ficaram baços e os lábios perderam o brilho, esquecendo-se do primeiro beijo e dos agarramentos ao pé da escada.

E o que era doce acabou-se em travo, de fruto verde e amargo.

A casa, outrora alegre, agora abria-se aos conselhos de qualquer tia que, a pretexto de visita, só sabia contar do casamento desfeito de uma prima e de como, na família, mulher largada tornava-se propriedade coletiva.

E o que era doce acabou-se em medo.

Todas as vontades de recomeços se perderam nos vãos ordinários das madrugadas e o que restou foi lembrança pequena e morta, sepultada de qualquer jeito sob a lápide muda de um colchão de molas.

E o que era doce acabou-se em nada.


mariza lourenço


[imagem george marks]

9 comentários:

  1. Mais um belo, inspirado texto, Mariza! Muito bom!

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  2. Literatura se faz, sobretudo, com experiência e com duas pitadas: uma de doce, outra de amargo... Parabéns!

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  3. Lindo. ha uma beleza extrema na melancolia de um amor acabado... e uma certa promessa e esperança. Beijos

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  4. Primor.Mariza!Parabéns por tão bela obra.Meus carinhO...

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  5. Primor.Mariza!Parabéns minha qrida,por tão bela obra.Meu carinho e admiração...

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  6. Amores que se vão, sempre melancólico.
    Seu modo de tecer a trama encantou-me!
    Parabéns poeta!

    Marta Peres

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