um olhar vagabundo

saudades, papai.

Um olhar vagabundo

Todos queriam saber com quem a menina, um dia, iria se casar. Ela respondia:

— Com aquele moço do bigode pequeno.

Ninguém sabia quem era o tal moço do bigode pequeno. Pensavam tratar-se do pai. Ora, toda menina quer namorar o pai. Não era. Era o moço do bigode pequeno. Aquele do retrato enorme, aquele dos olhos tristes.

Os motivos dessa estranha preferência eram claros demais para a menina-criança, mas não o eram para os adultos, porque gente grande precisa de explicação para tudo, precisa da concretude das palavras, adulto precisa que lhe expliquem por que um olhar encanta ou por que o amor prescinde de motivos. Adulto não entende nada, porque emburrece com o tempo.

A menina e, somente ela, sabia. Mas cresceu, e o tempo, aquele que emburrece, encarregou-se de fazer com que sentisse vontade de se casar com alguém diferente daquele moço do bigode pequeno.

Nada a recriminar. Um pequenino lamento, talvez, pelo que se perde ou se deixa de ganhar.

O retrato enorme que tanto encantou a menina é muito mais que encanto, é muito mais que o registro soberbo de uma tomada cinematográfica. Trata-se de dois olhares em um só. Dois homens-meninos em um só. A mesma alma fluindo de um para o outro. Chaplin e seu magistral Carlitos, conseguiram à perfeição o que nenhum outro homem, até hoje conseguiu (quiçá conseguisse — a humanidade estaria irremediavelmente salva): Nascer homem, para viver criança.

Jamais um olhar foi ou será tão doce quanto o daquele homem de bigode pequeno.

A inocência nunca foi ou será tão crível quanto aquela que, sabe-se lá por quanto tempo (Oh, Senhor, que fosse para sempre), invadiu aquele olhar.

mariza lourenço