segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

última ciência (Herberto Helder)


Última Ciência (Herberto Helder)

Não cortem o cordão que liga o corpo à criança do sonho,
o cordão astral à criança aldebarã, não cortem
o sangue, o ouro. A raiz da floração
coalhada com o laço
no centro das madeiras
negras. A criança do retrato
revelada lenta às luzes de quando
se dorme. Como já pensa, como tem unhas de mármore.
Não talhem a placenta por onde o fôlego
do mundo lhe ascende à cabeça.
Linhas cristalográficas atravessando os cornos.

A veia que a liga à morte.
Não lhe arranquem o bloco de água abraçada aonde chega
braço a braço. Sufoca.
Mas não desatem o abraço louco.

A terra move-a quando se move.

Não limpem o sal na boca. Esse objecto asteróide,
não o removam.
A árvore de alabastro que as ribeiras
frisam, deixem-na rasgar-se:
- Das entranhas, entre duas crianças, a que era viva
e a criança do sopro, suba
tanta opulência. O trabalho confuso:
que seja brilhante a púrpura.
Fieiras de enxofre, ramais de quartzo, flúor agreste nas bolsas
pulmonares. Deixem que se espalhem as redes
da respiração desde o caos materno ao sonho da criança
exacerbada,
única.



Imagem: Google -  sdgosea 016


2 comentários:

  1. maravilhoso, Alberto. obrigada pela lembrança, pelo carinho, pela amizade, por tudo. um feliz e abençoado Natal para você e aqueles que ama. aproveito para desejar o mesmo para o Vagner, um de nóstres, amigo do coração.
    beijos e amor.

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