quinta-feira, 11 de abril de 2013

beberagens

foi assim que o encontrou: a cabeça ligeiramente baixa e as mãos trêmulas tentando manter íntegro o líquido dentro do copo. metade já havia escorrido pelo balcão do boteco. metade dele não estava ali. nem em outro lugar que ele reconhecesse como seu ou que ele reconhecesse. sentiu vontade de tê-lo para si. ele não se importou, seguiu-a, foi atrás daquela visão bonita. vodka cristalina.

pela terceira vez desmanchou a terceira carreira do tricô. só podia ser aviso. não era, era distração. e raiva por virem àquela hora comunicar o sumiço dele. saco, pensou. anos e anos nessa rotina pavorosa de tirá-lo do bar. voltou ao tricô.

maquiar cadáver devia ser mais interessante do que atestar um óbito. aquele ali, por exemplo, recolhido das ruas, estava com os olhos arregalados. morreu de susto, falou. e de tanta bebida, preste atenção nesse inchaço e na cor. o residente olhou-a com admiração. fria demais.

seguiu-a e se sentiu confortável. quase quente. metade da bebida ainda borbulhava dentro da cabeça. enjoou. metade dele vomitou um líquido esquisito. a outra metade seguiu a moça. 
ela era bonita.

mariza lourenço
[imagem de Rachel Sulek]


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