quarta-feira, 29 de abril de 2015

assim caminha a humanidade

Aos 15 anos Mariposinha estreou na vida, aos 25 já estava aposentada.
Mudou de nome e foi dar com os costados em uma cidadezinha do interior paulista. Mariposinha se deu bem: casou-se com o Juiz de Paz.
Maria Cecília é dona de casa exemplar, católica praticante, boa vizinha e voluntária no centro de assistência à infância desamparada. Maria Cecília sabe, como ninguém, da vida alheia. Maria Cecília é respeitada por todos, sobretudo, por conseguir livrar a cidade de certas figuras de reputação duvidosa.
Do passado, a bela Maria Cecília não se recorda, nem mesmo quando, ofendida, repudia as propostas do marido:
— Só por hoje, só dessa vez... Finge que é uma...


***

— Ledosmira, minha filha, você não se parece nada comigo. Desligue esse telefone e vá preparar a janta de seu marido.
— Mas, mãe, ele anda me ameaçando...
— Porque você é bocuda, Ledosmira. Se fosse seu pai, já viu, né?
— Mãe, é sério, tô com medo.
— Não deixe seu marido mais nervoso. Outro você não acha. Desligue esse telefone.

Ledosmira nunca mais ligou.


***

— Por favor, aguardem mais um pouco, que o Doutor irá atendê-las. Pediu a moça, sorridente e gentil.
— Notou o jeito de vagabunda?
— Fala baixo... Notei, nossa...
— Pudera, com aquele peitão todo siliconado.
— E ainda por cima é casada com o Doutor.
— É, deve ser chifrudo.
— Coitado...
— Coitado nada, com tanta mulher honesta por aí, quem mandou escolher uma vagabunda?
— E a gente, aqui, solteira... É, tem que tomar chifre mesmo.


***

— Estou impressionada com seu curriculum. Que beleza! Li que você é comprometida e sem filhos. Pretende tê-los logo?
— Pra falar a verdade eu e Marianna não resolvemos ainda...
— Marianna?
— Sim, Marianna.
— Pois é, como eu ia dizendo seu curriculum é uma beleza, mas está muito acima do cargo oferecido.
— Muito?
— Muito!
— Ah...

mariza lourenço
[imagem de Psyche Anamnesis]

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