quarta-feira, 10 de outubro de 2012

doce vingança

Mãe costumava dizer que eu tinha fogo demais para esperar tanto tempo, de modo que acabei me casando com Alfredo Luiz, meu primeiro namorado.

Eu juro por Deus e espero que um raio me parta ao meio se, em algum momento, desviei meus pensamentos para outro homem. Jamais pensei em viver outra vida que não fosse esta, ao lado dele, de Alfredo Luiz.

Nunca tive boca para mais nada a não ser acolher o gozo que ele fazia jorrar, satisfeito da vida. Prazer que só se igualava ao gosto de servi-lo.

Tudo o que sei aprendi aqui, neste quarto minúsculo. De joelhos e à espera que ele se enfiasse inteiro em qualquer parte de mim.

Alfredo Luiz foi embora numa quarta-feira. Dia estranho para se abandonar alguém.

Sentei-me na cama e olhei-o arrumar as malas. Não chorei e não pedi que me explicasse os motivos. Recebi seu beijo de despedida e um afago na mão direita.

Minha mão direita, aquela que, doravante, acompanharia minhas viagens noturnas aos porões da saudade.

Não havia se passado um ano antes que ele retornasse arrependido. Abri-lhe a porta e deixei que ele desabasse em meu colo. Abri-lhe meu corpo para servir de remédio às suas feridas. E eram tantas. E era tão grande a sua dor. E tão pequena a minha alegria.

Alfredo Luiz foi grato. Nunca antes o vira daquela maneira, tão meu. Ele jurou que, no mundo inteiro, não havia mulher que se comparasse a mim. Ele jurou que seria o melhor dos homens. Ele prometeu me amar para o resto de seus dias.

E me respeitar e honrar os votos que, tão levianamente, descumprira.

Alfredo Luiz estava de joelhos. E a mim não coube outra coisa senão acariciar-lhe os cabelos, condescendente e piedosa, como o faria a um cão.

Não havia se passado um ano antes que ele retornasse engatinhando. Tempo suficiente, porém, para que eu já tivesse me acostumado à sua ausência, ao seu desrespeito, à sua falta de amor. Tempo suficiente para que meus dedos me concedessem todos os gozos que ele havia furtado.

Não se passou um ano desde que o recebi de volta. Desde que curei suas feridas.

Alfredo Luiz mantém sua promessa e seus votos. E eu mantenho os meus, satisfeita da vida, desde que o recebi de volta e, por conta própria, resolvi matar-lhe a alma.


[conto publicado originalmente na Revista Vagalume e revisto em 10/10/12]


mariza lourenco

[imagem headhunters]

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