quarta-feira, 28 de novembro de 2012

a poesia de ronaldo costa fernandes



O ÚLTIMO PIO

Um dia meu tio inventou
de morar no sótão
do pensamento lá dele.
E se refugiou menino
na memória cheia de pios
em que vivia na gaiola da infância.
Desce daí da memória,
a gente pedia
e meu tio insistia
em cantar sabiá
entre as grades finas da tristeza.
Até que voou para onde não há canto
ou asa e tudo é gaiola vazia.
Quando ando triste
subo ao galho mais alto
da insensatez
e tento cantar
em linguagem de pássaro.
Rejeito o alpiste da razão
– miúdo e aglomerado –
este que se dá aos melancólicos
engaiolados pela solidão.


ECOLOGIA DO CORPO

Nesta terra devastada mais devastado é meu coração.
As aves que aqui gorjeiam são corvos de Poe.
Meu espanto é um cacto
e, ao desflorestamento dos meus desejos,
nada tenho de mim além da minha secura.
Aos poucos seria catástrofe e ninguém me plantará.


ALUGAR PARA SONHAR

Queria que alguém sonhasse seus sonhos.
Limpasse os seus pesadédalos.
Um sonho alheio,
outro subsídio da memória,
o passado a limpo,
o presente ausente
e tudo seria futuro
que é a estação
em que tudo que se quer
tudo pode caber.


Ronaldo Costa Fernandes é Escritor, assim, com letra maiúscula. Autor premiado de poesia e prosa.  Mais de seus textos em http://ronaldocostafernandes.blogspot.com.br/. Os poemas aqui reproduzidos são de Memória dos Porcos (Ed. 7 Letras, 2012).


Imagem: René Magritte, O Terapeuta, 1941

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