O ÚLTIMO PIO
Um dia meu tio inventou
de morar no sótão
do pensamento lá dele.
E se refugiou menino
na memória cheia de pios
em que vivia na gaiola da infância.
Desce daí da memória,
a gente pedia
e meu tio insistia
em cantar sabiá
entre as grades finas da tristeza.
Até que voou para onde não há canto
ou asa e tudo é gaiola vazia.
Quando ando triste
subo ao galho mais alto
da insensatez
e tento cantar
em linguagem de pássaro.
Rejeito o alpiste da razão
– miúdo e aglomerado –
este que se dá aos melancólicos
engaiolados pela solidão.
ECOLOGIA DO CORPO
Nesta terra devastada mais devastado é meu coração.
As aves que aqui gorjeiam são corvos de Poe.
Meu espanto é um cacto
e, ao desflorestamento dos meus desejos,
nada tenho de mim além da minha secura.
Aos poucos seria catástrofe e ninguém me plantará.
ALUGAR PARA SONHAR
Queria que alguém sonhasse seus sonhos.
Limpasse os seus pesadédalos.
Um sonho alheio,
outro subsídio da memória,
o passado a limpo,
o presente ausente
e tudo seria futuro
que é a estação
em que tudo que se quer
tudo pode caber.
Ronaldo Costa Fernandes é Escritor, assim, com letra maiúscula. Autor premiado de poesia e prosa. Mais de seus textos em http://ronaldocostafernandes.blogspot.com.br/. Os poemas aqui reproduzidos são de Memória dos Porcos (Ed. 7 Letras, 2012).
Imagem: René Magritte, O Terapeuta, 1941
É muito maravilhoso, esse Ronaldo!...
ResponderExcluirTodos os poemas admiráveis, mas O ÚLTIMO PIO deixqa a gente com vontade de subir numa árvore e cantar.
ResponderExcluirMuito bonito e preciso o último poema toca a alma!
ResponderExcluirmuito bom!!!
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