segunda-feira, 29 de abril de 2013

je suis


"Quem me vê assim cantando não sabe nada de mim" (*)

nem da missa a metade. dos jogos que precisei jogar e perdi. do salto preso numa fenda de calçada imunda e nenhuma mão para segurar. do frio na sala de parto e do choro no chão por não saber cuidar direito de filho. da partida do primeiro pássaro e, depois, do outro. e eu para trás e cheia de dor. dos meus ombros e do ombro que não tenho. do meu colo onde couberam tantos. dele e de todos os outros. da escolha em estar só na saúde e na doença até que a morte me separe de alguma coisa. e do arrependimento. do choro que ninguém vê e do riso escondendo o choro que ninguém vê e todo mundo acredita. da beleza que não é nada porque por dentro já criou limo. desta correção medonha. das sapatilhas aposentadas em favor da justiça que não me faz favor algum. do pouco que me fez perder a cabeça e do muito que me carregou para o fundo do poço. da bipolaridade espiritual e outras drogas. da depressão e nenhum alívio. das mágoas que não carrego mas que volta e meia alguém faz questão de lembrar. do tapa na cara quando tentei ser eu. das pilulas azuis para conseguir ser alguma coisa. e das bombas para suportar noites de fastio e nojo. das distâncias que não consegui vencer. do que não vi e valia a pena. do que vi e não valeu a tristeza. dos meus impulsos. e do movimento errado no tabuleiro de uma rainha sem trono.

nem da missa a metade
:e da minha cabeça rolando oficiosamente em gabinetes oficiais.

mariza lourenço

(*) Dentro de Mim Mora um Anjo - Cacáso / Antônio Carlos de Brito

[imagem sebastian paul]

3 comentários:

  1. Confessional ou nem tanto. Um belo texto.


    Lídia

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  2. Como sempre, lindo!!!! sem palavras eu fico quando te leio.
    Andei sumido, bem triste com uma grande perda, mas agora vou voltando aos poucos. Beijos

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