domingo, 3 de maio de 2015

a arte, a poesia de Tere Tavares.


"Mulher Olhando a Luz" - Aquarela - 2014
[Tere Tavares]



Duo

Não um passo, um pássaro  
Que se apaixona pela paixão
E quer, seja deus ou homem,
Saber mais do que simplesmente aparenta.
Não o ar, o arrepio.
Pele que não se repele.
Não um aviso, um vazio.
Quadros subscritos na decorrência fria do tempo.  
Sou descoberta e verto o sangue branco da minha não presença.
Enquanto infalível é a flecha
A mover-se como asa refletida em nuvens e rodopios invisíveis. 

Comprei papel para desenhar e na minha mão interrompeu-se um horizonte.
Nesse cárcere a que chamam de corpo a alma sem braços se dispersa.

O zunir da janela revela a desenvoltura dos telhados
O movimento se abranda no bradar dos ventos, se refugia 
                            [nas frestas das ondas.
Já não ouço os pensamentos. 
Beijo em tudo a saudade dos filhos e da casa.
Transformo palavras em lírios, moldadas à água de uma
                     [fonte infinita – abrigam-se em mim, ao viés do meu corpo 
                                    [ como halos a rescindir o sol que se esparrama sobre um núcleo de arbustos estelares, que jamais deixarão de ter-me 
                 [– ramos de ternura, voz que me dá silêncios.






Faço versos como quem esquece

como quem sabe deixar sinal algum para indicar um retorno. 
Mas o adorno, a malha que aquece não falha 
quando se dispensa o que só de mim ouço, 
fora do nevoeiro, o limite,  a lanterna metafórica,
assomando a  prece que inspira tanto o amor quanto a ira.
E a lira arredonda os abraços, 
arde nos mormaços brandos da tarde
enquanto orvalha o mais sublime dos espaços.






eu pensei 

que te veria 
e outra partícula de vento 
lavou meus olhos 
a tua face estranha, 
não mais só, 
outra canção que te beijava
nesse tempo sucessivo
chamado instante
à beira dos barcos
o branco do areal
era então a pedra e a praia
que vigiava
o que nunca seria pó
eu pensei
e já os barcos eram redes e bordas
e as partículas eram barcos
e o tempo a pedra, o bambu
e o beijo o tempo e a rede
e a canção a tua face de página
e os barcos a solidão silenciada dos ecos
e os meus olhos o instante, a boca,  
eras tu e o vento
o pensamento  que me vestia
eu pensei ...e não vi mais barco, pedra, vento, rede, pequeninos grãos de sede, multiplicando-me, areia, brancura, face, corpo, alma e magia, apenas pó, 
apenas e só  lábios   ...eu pensei estranha.






Eternidade

A tua alma se enamora de ti mesmo quando te tornas inesquecível para alguém.






Nada

não existe nada 
na virtude dos meus olhos
que possa religar 
os silêncios perdidos
desde a duração da primeira respiração do orvalho
cumpro cada dia 
como quem espera que os dias não se acabem
não sei se nas árvores noturnas sopra  alguma quietude
no horizonte crispado de escarpas
há bálsamos urdidos
no fluxo que duplica as retinas e confunde as pérolas
as amarelinhas que não pulei
os ouvidos que não me leram

sigo, peregrina, página,
imaginando a doçura da brisa
os calcários partidos  
sob os pés 
nem aguçados nem ágeis
mortiços feito os moluscos que  acabaram de rebater nos recifes
o ouriço do mar que apanhei com as mãos e fotografei na liberdade do sal 
depois  o vazio se domaria
como há luz e há sombra 
Maria e José, céu e nuvens
vales e montanhas e águas
há  em mim uma corrente impossível
de frear
pergunto-me  por que?
e pergunto-me novamente
por que não?
uma prece sem culpa ou desespero
me aquece as faces que tenho ou terei

serei o amanhã que se desanuvia na orla?
adormece o que Deus escreve?
e se Deus for essa frase? 
E se essa frase pousasse na face divina que me subtrai?

o tempo se arremessa sobre mim
o mar em cuja força e sal sobrevive  a cura  da vida,
despe  as areias e os búzios
sou  grão no dorso das dunas
a  levar-me suavemente até o horizonte indevassável
onde se esconde o que de mim tem saudade, 
e me chama de minha menina.






Tere Tavares (Cascavel/PR). Escritora e artista plástica, publicou os livros Flor Essência (poemas, 2004), Meus Outros (poesia e prosa, 2007) e Entre as Águas (prosa, 2011). Participante de três coletâneas editadas em Portugal: A arte pela escrita III (2010), Cartas ao Desbarato (2011) e A arte pela escrita IV (2011). Integrante da antologia Saciedade dos Poetas Vivos, Vol. 11 (2010) organizada pelo portal Blocos onLine.



2 comentários:

  1. Muito grata pelo convite Mariza Lourenço, e pela publicação. Todos esses poemas compõem o livro "A Linguagem dos Pássaros", publicado pela Editora Patuá em 2014. Ainda há exemplares à venda. Quem se interessar, basta acessar o site http://editorapatua.com.br
    Deixo o link para o meu blog para quem se interessar a visitar: Muito grata pelo convite Mariza Lourenço, e pela publicação. Todos esses poemas compõem o livro "A Linguagem dos Pássaros", publicado pela Editora Patuá em 2014. Ainda há exemplares à venda. Quem se interessar, basta acessar o site http://editorapatua.com.br/.

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