domingo, 21 de agosto de 2016

Olhar não exaustivo nem exausto

Paul Klee. Senecio, 1922.

"Um olho vê, o outro sente." (Paul Klee)

Há tempos passei uns dias numa chácara participando de uma vivência de clown: experimentações coletivas que visavam avivar nos participantes os aspectos pertinentes ao exercício dessa arte.
Uma das atividades mais marcantes era andar a esmo num salão e, ao comando do orientador, parar à frente do participante que estivesse mais próximo para um olho no olho. Tudo tecnicamente muito simples, mas de grande dificuldade para boa parte dos aspirantes a clown: "sensação de vulnerabilidade", "timidez", "exposição da intimidade", eram os relatos. Houve até os que não conseguiram fixar o olhar, alegando uma "total incapacidade para o ato".

"Bovino" é um termo que se costuma utilizar pejorativamente como referência a um modo de olhar desprovido de brilho e vivacidade.
"Olhos de águia" é expressão comum quando se quer falar de quem "enxerga longe", "enxerga adiante", "enxerga o futuro", "enxerga além", "enxerga mais". Ou, numa palavra, "enxerga".
A coruja é uma das figuras mais conhecidas dentre os símbolos de sabedoria. Seus olhos grandes e frontais - os laterais são mais comuns nas aves - têm papel fundamental nessa construção.
Frequentemente se associa um olhar maligno a "olhos de cobra", "olhos de serpente". As pupilas alongadas do bicho são modelos para desenhistas e outros criadores quando trabalham com figuras do mal.

Não encontrei estudos a respeito, de modo que não sei se é uma dessas "regras" do complexo jogo do senso comum ou se é um não menos complexo processo biológico (ou uma combinação disso ou outra coisa) o que regula o cruzamento de olhares entre desconhecidos. Um olhar que "toca" o de um estranho, fora de uma interação específica, pode causar embaraços e/ou sugerir significados bem particulares como paquera, desafio, hostilidade, desconfiança etc.

Nas manifestações folclóricas e nos outros tipos de apresentação em que um artista veste uma fantasia de bicho, sempre me causa estranhamento perceber através dos furos na máscara os olhos humanos. Algo como encontrar uma versão do "lobo em pele de cordeiro", ainda que a fantasia seja de outro animal. O lobo dentro da pele de pano - vê-se nos olhos - é mesmo o lobo do homem.

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