segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Quatro poemas de Adriane Garcia










Para escrever é necessário silêncio
(vocês gritam demais)
É necessário certa imobilidade
Alguma quietude, não dá para
Participar de um número circense
Enquanto com a outra mão escrevemos

Quando escrevemos estamos deslocados
E vocês pedem mais participação
Nos negócios

Não é possível!

Escrever ainda é buscar uma argila
Uma cunha
Ainda é encontrar uma caverna
Carimbar a mão de tinta.









O que faremos aqui embaixo?
(este, por um acaso, é um livro de perguntas?)
Há um elástico se esticando ao máximo
Testando todos os seus limites
Quem olha sente medo
Sabe que está prestes a arrebentar

Dizem que toda a vida da espécie
Depende deste elástico funcionando
Deste elástico infinito, que tem
Fim

Quando ele arrebentar, quem saberá subviver
Se não aqueles que já subvivem?
Quem saberá perder tudo
Se não aqueles que já perderam? 










Não são as coisas que são minhas
Eu é que sou das coisas

Por isso prefiro que me tenham
Apenas as necessárias

Elas olham para mim e me dizem
Quero tudo

E tomam o único bem que tenho:
Meu tempo.









Tudo está se interligando de maneira única
Imagine: poderemos levar o bem e o mal às suas últimas consequências

Depois que passamos por aquelas duas cidades
Depois que estivemos naquela prisão

Tanto aprendemos, já não há quem não saiba
Os livros estão abarrotados de nossa sabedoria

Não é possível que estejamos regressos à beira do
Marco zero

É novamente o melhor e o pior dos tempos,
Dickens.


 (Poemas inéditos para “Tripalium”)






Adriane Garcia é poeta, nascida e residente em Belo Horizonte. Publicou Fábulas para adulto perder o sono (Prêmio Paraná de Literatura 2013, ed. Biblioteca do Paraná), O nome do mundo (ed. Armazém da Cultura, 2014), Só, com peixes (ed. Confraria do Vento, 2015), Embrulhado para viagem (col. Leve um Livro, 2016) e Garrafas ao mar (ed. Penalux, 2018).



Imagens: Google. A segunda e a terceira fotografias são de Sebastião Salgado.

2 comentários:

  1. Uma das belas e potentes vozes da poesia brasileira hoje.

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  2. a Adriane sempre nos surpreende com a beleza de seus versos e a potência de suas palavras.

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