DESTERRO
1.
Meu delírio, o amor é meu desterro
É como espuma o que se acerca 
: confunde e ampara, dói, descansa
A tela dessa cena nunca é plana - 
crescem-lhe ondas ângulos vértices
A superfície do enredo não é lisa -
tem textura cor e viço
O ar quase não chega 
A carne, sem pele que a contenha
2.
Vejo teu vulto sobre os seixos do rio 
tremeluzindo múltiplos focos do meu vício
(no centro do centro, por ti,
arrisco queda e vida)
3.
Pulsam teus espinhos (flor, acúleo) 
desde o mais distante do que penso
- iguais o encanto e a perda do meu nome 
(afogado sem volta nesse enredo)
Sim, há segredos habitando os átomos
o voo distante das aves, cidades por trás dos vidros
: esses mistérios de nos ser
E falta fôlego para o bem e o mal
pois aqui também é o fundo negro e azul do lago
(acordes da tua música flutuam 
entre o azul claro e o azul de chumbo)
Deliro: sobre a cabeça estão raízes e, depois, 
além da linha d’água, um caule e ramos 
e ainda folhas e frutos que tocam o céu 
Estremece a areia e eu pressinto, nas pontas 
dos dedos, do desejo, o pulsar do teu peito 
distante, sobre a copa, no plano translúcido 
onde se respira. Pressinto
em súbitas ruas, em qualquer lugar
relâmpagos, sol, noite, água que se infiltra
Sinto enguias infinitas (esquivas e múltiplas)
crescendo entrelaçadas como fios de luz e som 
(os traços da tua imagem me envolvendo)
4.
Atado - não tenho onde e depois
Só a voz, a tua, que lá, desde antes 
ainda fala de amor 
E a hora transpira a urgência do cheiro - doce - 
esse tão fino que sobe dos ombros ao pescoço
e que se espalha e entalha trilhas no corpo
5.
Não me esqueço: o caminho de volta está bloqueado 
a invisível solidez me ancora no momento 
e ao mesmo tempo multiplica-me sem aviso e limite 
(minha fuga, meu mergulho, desterro)
Nas idas e vindas, escolheu-me o pássaro de fogo 
A sina não é mito: é meu corte, sorte e pena
6.
Enfim, quando as hastes do sol 
despertam o primeiro firmamento 
para dentro das pálpebras fechadas 
está todo o legado 
: o corpo se esquece de ser meu
chega outro amanhã
São tuas 
as últimas palavras. 
ALBERTO BRESCIANI
(poema finalista do Prêmio SESC Carlos Drummond de Andrade de 2012)
Imagem: Lovers, Connie Chadwell
 

 



Belíssimo. Um amor truncado, mas que foge, escapa, ganha vida em palavras de vidro que guardam o que escapa e não esconde as ondas que o sentimento promove. Parabéns!
ResponderExcluirLindo! Maxi! Diferente do já conhecido. Gostei.
ResponderExcluirPara os lados e para o fundo é exuberante!
ResponderExcluirGosto da imagem do amor como desterro, destino de que não se foge, asfixia e salvamento. Porque o amor, caro amigo, é o epicentro dos sentidos. Lindo texto de um poeta liberto das amarras da razão. Parabéns.
ResponderExcluirAmneres
Que palavras livres! Foste longe, Alberto, e trouxeste os segredos dos átomos. Abriste a arca dos mistérios, do teu ser amoroso, para todos nós. Alberto, este é o teu verdadeiro legado, uma voz na qual todo mundo se identifica: o traço inconfundível, a tua unidade poética. Parabéns, exclamativamente!!!
ResponderExcluirAbraços.
JIVM
Alberto, gostei muito do poema. Tem ritmo, palavras bem escolhidas, belas imagens. Convida à releitura. Grande abraço.
ResponderExcluirComo se diria a respeito de uma tela na parede - essa dicção: um autêntico Bresciani!
ResponderExcluirQue maravilha!
Reli agora, e, na dúvida se qdo li te respondi por email, again: muito belo!
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