sexta-feira, 30 de novembro de 2012

desterro



DESTERRO

1.
Meu delírio, o amor é meu desterro
É como espuma o que se acerca
: confunde e ampara, dói, descansa

A tela dessa cena nunca é plana -
crescem-lhe ondas ângulos vértices
A superfície do enredo não é lisa -
tem textura cor e viço

O ar quase não chega
A carne, sem pele que a contenha

2.
Vejo teu vulto sobre os seixos do rio
tremeluzindo múltiplos focos do meu vício
(no centro do centro, por ti,
arrisco queda e vida)

3.
Pulsam teus espinhos (flor, acúleo)
desde o mais distante do que penso
- iguais o encanto e a perda do meu nome
(afogado sem volta nesse enredo)

Sim, há segredos habitando os átomos
o voo distante das aves, cidades por trás dos vidros
: esses mistérios de nos ser

E falta fôlego para o bem e o mal
pois aqui também é o fundo negro e azul do lago
(acordes da tua música flutuam
entre o azul claro e o azul de chumbo)

Deliro: sobre a cabeça estão raízes e, depois,
além da linha d’água, um caule e ramos
e ainda folhas e frutos que tocam o céu

Estremece a areia e eu pressinto, nas pontas
dos dedos, do desejo, o pulsar do teu peito
distante, sobre a copa, no plano translúcido
onde se respira. Pressinto

em súbitas ruas, em qualquer lugar
relâmpagos, sol, noite, água que se infiltra
Sinto enguias infinitas (esquivas e múltiplas)
crescendo entrelaçadas como fios de luz e som
(os traços da tua imagem me envolvendo)

4.
Atado - não tenho onde e depois
Só a voz, a tua, que lá, desde antes
ainda fala de amor

E a hora transpira a urgência do cheiro - doce -
esse tão fino que sobe dos ombros ao pescoço
e que se espalha e entalha trilhas no corpo

5.
Não me esqueço: o caminho de volta está bloqueado
a invisível solidez me ancora no momento
e ao mesmo tempo multiplica-me sem aviso e limite
(minha fuga, meu mergulho, desterro)

Nas idas e vindas, escolheu-me o pássaro de fogo
A sina não é mito: é meu corte, sorte e pena

6.
Enfim, quando as hastes do sol
despertam o primeiro firmamento
para dentro das pálpebras fechadas
está todo o legado

: o corpo se esquece de ser meu
chega outro amanhã
São tuas
as últimas palavras.


ALBERTO BRESCIANI
(poema finalista do Prêmio SESC Carlos Drummond de Andrade de 2012)

Imagem: Lovers, Connie Chadwell


8 comentários:

  1. Belíssimo. Um amor truncado, mas que foge, escapa, ganha vida em palavras de vidro que guardam o que escapa e não esconde as ondas que o sentimento promove. Parabéns!

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  2. Lindo! Maxi! Diferente do já conhecido. Gostei.

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  3. Para os lados e para o fundo é exuberante!

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  4. Gosto da imagem do amor como desterro, destino de que não se foge, asfixia e salvamento. Porque o amor, caro amigo, é o epicentro dos sentidos. Lindo texto de um poeta liberto das amarras da razão. Parabéns.

    Amneres

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  5. Que palavras livres! Foste longe, Alberto, e trouxeste os segredos dos átomos. Abriste a arca dos mistérios, do teu ser amoroso, para todos nós. Alberto, este é o teu verdadeiro legado, uma voz na qual todo mundo se identifica: o traço inconfundível, a tua unidade poética. Parabéns, exclamativamente!!!
    Abraços.

    JIVM

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  6. Alberto, gostei muito do poema. Tem ritmo, palavras bem escolhidas, belas imagens. Convida à releitura. Grande abraço.

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  7. Como se diria a respeito de uma tela na parede - essa dicção: um autêntico Bresciani!
    Que maravilha!

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  8. Reli agora, e, na dúvida se qdo li te respondi por email, again: muito belo!

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