quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

a poesia de angélica torres lima



A FONTE DOS ANJOS CAÍDOS

A hora era imprecisa
Madrugada. Talvez alvorada.
Quem sabe meio-dia.

Quadrada e imensa era a praça
de prédios, arejada
mas pesada e densa.

Logo à frente
na calçada pêndula da praia
a fonte dos anjos caídos.

Magros, louros, jovens
como escandinavos
esculpidos

nus, a pele sépiadourada
cabelos e corpos molhados,
asas e olhares enlameados

vários, sentados nas muradas
de concreto armado
apinhados na abóboda

de acinzentada queda d’água,
olhavam com desdém
a andante solitária.

Passei sem descolar
os olhos da cena
daquela imagem

catedral desossada
miragem do paraíso
devastado.

Súbito, um deles desce
e me segue de perto
até a rua da praia

Era um mulato aquele
dono ouro-negro
de motocicleta roubada.

Hipnotizada, saltei na garupa
e com ele voei pelos ares.
O capacete só aura

aura encardida, mal-lavada,
mas aura,
sobre chãos e mares.

Voltamos.
Fui viver com eles na fonte
da Praça de Buenos Aires.

MULHERES

Neste início de tarde
fim de manhã do verão

o sol me divide
nas várias mulheres

que me antecederam
e nas que virão

grávidas de luas
na fase obscura

com um abismo
no peito

VERSOS AO ESPELHO

Tu me fazes pentear
os versos
ante o espelho

que te enlaça, anelo
ainda mais belo,
ao meu desejo de ter-te

lua sim, lua não
nos desvãos
dos meus cabelos
entre teus dedos das mãos.

Miragem... sonho vão....
Ilusão....
Bobagens, amor,
eu sei.

MÉTÁLICA

Temperar o corpo, a alma,
a aura, a armadura
que o que se traz são dores
de guerras em dia
cada dia mais breve.

De resto, no peito,
a inflamação dos punhais,
os arrepios, a tenda
dos encontros errantes, os mares
de tesouros naufragados,

e ninguém chora
a tarde suicida!


Angélica Torres Lima é Poeta premiada. Detentora de voz própria, maneja as palavras com simultâneas força e delicadeza. Sempre vale conferir. Vive em Brasília. Os poemas aqui reproduzidos são de seus livros O Poema Quer Ser Útil e Luzidianas.


Imagem: CabeMulher, Beatriz Milhazes

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