A FONTE DOS ANJOS CAÍDOS
A hora era imprecisa 
Madrugada. Talvez alvorada. 
Quem sabe meio-dia. 
Quadrada e imensa era a praça 
de prédios, arejada 
mas pesada e densa. 
Logo à frente 
na calçada pêndula da praia 
a fonte dos anjos caídos. 
Magros, louros, jovens 
como escandinavos 
esculpidos 
nus, a pele sépiadourada 
cabelos e corpos molhados, 
asas e olhares enlameados 
vários, sentados nas muradas 
de concreto armado 
apinhados na abóboda 
de acinzentada queda d’água, 
olhavam com desdém 
a andante solitária. 
Passei sem descolar 
os olhos da cena 
daquela imagem 
catedral desossada 
miragem do paraíso 
devastado. 
Súbito, um deles desce 
e me segue de perto
até a rua da praia 
Era um mulato aquele 
dono ouro-negro 
de motocicleta roubada. 
Hipnotizada, saltei na garupa 
e com ele voei pelos ares. 
O capacete só aura 
aura encardida, mal-lavada, 
mas aura, 
sobre chãos e mares. 
Voltamos. 
Fui viver com eles na fonte 
da Praça de Buenos Aires. 
MULHERES
Neste início de tarde
fim de manhã do verão
o sol me divide
nas várias mulheres
que me antecederam
e nas que virão
grávidas de luas
na fase obscura
com um abismo
no peito
VERSOS AO ESPELHO
Tu me fazes pentear
os versos
ante o espelho
que te enlaça, anelo
ainda mais belo,
ao meu desejo de ter-te
lua sim, lua não
nos desvãos
dos meus cabelos
entre teus dedos das mãos.
Miragem... sonho vão....
Ilusão....
Bobagens, amor,
eu sei.
MÉTÁLICA
Temperar o corpo, a alma,
a aura, a armadura
que o que se traz são dores
de guerras em dia
cada dia mais breve.
De resto, no peito,
a inflamação dos punhais,
os arrepios, a tenda
dos encontros errantes, os mares
de tesouros naufragados,
e ninguém chora
a tarde suicida!
Angélica Torres Lima é Poeta premiada. Detentora de voz própria, maneja as palavras com simultâneas força e delicadeza. Sempre vale conferir. Vive em Brasília. Os poemas aqui reproduzidos são de seus livros O Poema Quer Ser Útil e Luzidianas.
Imagem: CabeMulher, Beatriz Milhazes
 

 



Belos poemas!
ResponderExcluirbelíssimos!
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