domingo, 12 de abril de 2015

silvana guimarães: dois poemas de amor & um canto de desespero

houve uma vez um verão

fumava minister
usava azzaro
mascava ping-pong

seu nome no obituário antigo
lembrou-me o caminho da ilha
a árvore com nossas letras
entrelaçadas dentro de um coração

quem recolheu suas asas, meu anjo torto?
quem contou suas fraturas, catou os ossos?

guardo para sempre
os estilhaços que vi em seus olhos claros
na hora da despedida

um gosto de naufrágio
o coração submerso
o lenço vermelho — inútil patuá

a tristeza é um passarinho que não sabe voar



extravio

o amor chegou às 15h19m
veio com o vento

abriu portas e torneiras
deixou jorrar o impreciso

farpas esperma crisálidas o fogo

eu vestia-me de anjo
para coroar nossa senhora

quando o amor chegou
em carne viva avalanche

retalhou minha inocência
e me cortou as asas

singelo como um pé de chuchu

esculpiu-me, o amor, na tirania da solidão

ensinou-me o significado da palavra dédalo



sede

o murro & o muro:

o amor abismou-se
nos hematomas

a flecha & a fresta:

o corpo é um copo
de água salgada

nunca mais
repita comigo:
nunca mais

[imagem de kontinuierlich]


Silvana Guimarães (Belo Horizonte/MG). Socióloga, escritora, redatora/revisora publicitária, tem textos publicados em revistas nacionais e estrangeiras. Participou de algumas coletâneas, destacando-se a Dedo de Moça — Uma Antologia das Escritoras Suicidas, que organizou com Florbela de Itamambuca (São Paulo: Terracota, 2009). Fundadora e editora da Germina — Revista de Literatura & Arte [www.germinaliteratura.com.br], Escritoras Suicidas [www.escritorassuicidas.com.br] e do site do escritor Rodrigo de Souza Leão [www.rodrigodesouzaleao.com.br]. Vive em Belo Horizonte. [sil.guimaraes@gmail.com]

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