Bye bye Babel, diz Patrícia Lavelle, como quem, do castigo da
multiplicidade das línguas e pela ousadia de se ter desejado bater à porta de
Deus, parte da torre amaldiçoada para o mundo de comunicação incompleta e
inexata, em que toda palavra é insuficiente (“Mas quando a palavra quer / tocar
o céu, / torna-se escasso / o material”), onde o desalento ameaça, mas também
onde o amor ainda pode ser resgatado e resgatar. O eu-lírico, nessa caminhada, leva,
em sua bagagem, a “Palavra estrangeira” e, assim, decide que um “Dialogue” seja
também um “Diálogo” (recurso muito criativo). Os poemas estão distribuídos em
cinco partes: Ruínas, Palavra híbrida, Eros & Logos, Tempos verbais e Ecos
& vozes. Alinham-se com absoluta coerência. “Procura-se palavra para dizer
a cor daquele instante / em que o amor foi eterno e a morte / cansada /
pediu-lhe trégua”: como acontece com os “amantes abraçados contra a morte”, de
Alexandre O’Neill, a poesia, aqui, resguarda o instante e, assim, salva-o e nos
salva da finitude. Nessa coletânea, encontra-se a precisão de Kairós na
desordem de Cronos, Eros se explica em logos. Em “Arca de Babel”, lemos que
“esta cidade à deriva / é balbúrdia e tradução”. Sim, a imprecisão de todas as
biografias é “este barco à deriva”, ainda que em busca ascendente, por meio de
“impulsos ícaros rumo ao sol”. A dualidade de tudo é metaforizada, um ótimo
achado, pelo leão-marinho, memória simultânea da fera e do peixe salvífico. A
feição sacrificial da poesia é registrada “à passagem progressiva dos anos”,
mas nada que “versos ao vento” não preservem. A poética de Patrícia é musical,
firme e consciente. Um primeiro livro com força e maturidade poética.
Bye bye Babel, de Patrícia Lavelle, Editora 7 Letras, 2018, 75 páginas
PALAVRA ESTRANGEIRA
Entre palavras e
coisas,
há sempre alguma
distância:
na palavra, a coisa é
outra
na coisa, a palavra
nem é.
Mas essa coisa sonora,
que a palavra é
também,
é uma forma de
armadilha
pra pegar uma outra
coisa.
Presa em palavra
estrangeira,
uma coisa é ainda mais
outra
menos diversa dela
mesma
que do meu próprio
silêncio.
Mas a palavra
estrangeira
que tardiamente
apreendi
em prévia palavra
estrangeira
torna-se coisa ainda
mais diversa
prendendo-me assim à
primeira.
Coisa apreendida no
tempo,
toda palavra é
armadilha
onde eu, ela ou isto
(a coisa pensante = X)
capturada, captura-se:
toda palavra é
estrangeira.
KAIRÓS
quando teu sopro se
instala
no instante
dilatação desse
instante
no quando
o tempo numa bolha de sabão
ARCA DE BABEL
Era uma vez duas
histórias:
a cidade em construção
era este barco à
deriva.
Nele, as línguas,
enroscadas,
pares híbridos e
férteis,
cresciam e
multiplicavam-se.
Um abarcar, muitas
arcas:
esta cidade à deriva
é balbúrdia e
tradução.
A autora: Patrícia
Lavelle é professora do Departamento de Letras da PUC-RJ. Doutora em filosofia
pela EHESS de Paris, onde morou entre 1999 e 2014, tem ensaios publicados na
França e no Brasil. Como poeta, publicou Migalhas
metacríticas (7Letras, Megamíni, 2017), Bye
bye Babel (7 Letras, 2018, primeira menção honrosa no Prêmio Cidade de Belo
Horizonte de 2016) e organizou com Paulo Henriques Britto O Nervo do poema. Antologia para Orides Fontela (Relicário, 2018).
0 comentários:
Postar um comentário