Também estivemos em Pompeia é o terceiro livro de Simone Teodoro. Neste novo
trabalho, a poeta acerta, ao tensionar, em versos de muita originalidade, toda
a desilusão que faz sombra aos dias que testemunhamos. Não há dúvida de que
cabeças cortadas ou por cortar, há muito, catalisam a poesia contemporânea
ocidental, mas, na época e lugar que ocupamos, diferentes vetores parecem
favorecer a decepção e a tristeza. Os poetas não conseguiriam esquivar-se de
revolver esse magma. Ainda assim, nos versos de Simone, luz e sombra se
alternam (“E mesmo que / qualquer resto
de amor / arraste um sistema solar para o seu nada / você sabe que Tempo / é o
nome de deus / e que ele não é bom, nem ruim / porque Tempo é para além”) e
destroços podem ser azuis, enquanto guarda-chuvas vermelhos contrastam com
coágulos. “Como não ser triste?”,
provoca o poema. E vem o alerta para a polarização a que o mundo assiste, na
qual aos menos favorecidos não resta senão perseguir a pedra que desce e desce
. A cidadania é um “fragmento de universo
à deriva”. Sim, na dinâmica moderna, “há
gatos com gestos de príncipes” que nos enganam e nos prometem happy ends de fábula. Tem-se a sensação
de que “deus está mancando” e a
desesperança ocupa o altar. Com o coração nas mãos, a beleza de um poema como
“No fundo do tubo de minha solidão de metal” emociona. A mensagem de Simone não
é de desistência, mas, antes, de que se deve sonhar. A despeito do vulcão,
aprender “a insultar o abismo / com um
passo de dança”. Todos temos lembranças de erupções, “Um arder / de ruína / corroendo / o sol / por dentro”. Mas, afinal,
se podemos fazer essa constatação, é porque estivemos em Pompeia – e
sobrevivemos para contar.
Também estivemos em Pompeia, de Simone Teodoro, Editora Patuá, 2019, 120 páginas
O BAÚ I
The last day
of summer,
melancolia escapa
pelos fones de ouvido, gás tóxico
preenchendo as
interrogações das orelhas
Quando foi que me
metamorfoseei em glândula de chorar
pelo que
por descuido ou
maldade
se derrama?
Quando estar só é um
osso quebrado
delirar dragões que
despencam
sinfonias que matam
árvores que apaziguam
desalentos
Como não ser triste
quando a morte é
animal com fome
esperando no primeiro
atalho do bosque?
Quando sulfurosa
decrepitude
desavergonhadamente
sorve nossa seiva e
sonhos?
Como não ser triste
quando o que eu mais
amo
sem explicação nenhuma
se desvanece?
Quando os brutos
chupam o tutano das
costelas dos mansos
em mesas fartas?
Quando os simples
são atirados em
compactadores de lixo
quando o chorume é o
cheiro do mundo?
Como não ser triste
quando
do Baú de minha
infância
exumo cores
claves de sol
e as carcaças de todos
os meus cães assassinados?
TAMBÉM ESTIVEMOS EM
POMPEIA
Também estivemos em
Pompeia
O sol açoitava as
pedras
sonhando repetir a
lava
Também estivemos em
Pompeia
Respirando a poeira do
tempo
O Vesúvio era apenas
inofensivo amontoado
de rochas distantes
ou uma boa ideia para
um nome de gato
Também estivemos em
Pompeia
Se eu estiver em fuga
se uma língua de vulcão extrair de meus ossos
minhas carnes
eu vos rogo
jamais preencham minha
carcaça
com gesso
ou com outras substâncias moldáveis
Jamais, vos suplico
aprisionem meu medo
num rosto apavorado de
estátua.
NO FUNDO DO TUBO DE
MINHA SOLIDÃO DE METAL
Minha solidão é um
caleidoscópio
A cada movimento
uma lasca de vidro
manchada de tinta
se enlaça a outra
de variada cor
No fundo do tubo
de minha solidão de
metal
há profundidades de
bosques
há o vento de outono
soprando
os
fios de ouro dos
cabelos
Há a curva onde te
perdi
No caleidoscópio de
minha solidão
no fundo do tubo
de minha solidão de
metal
&
de cacos de vidros
coloridos
entre réplicas de tua
imagem
&
barulho de chuva
as cores gritam teu
nome.
A autora: Simone
Teodoro é mestra e doutoranda em Literatura Brasileira pela UFMG. É poeta. Há
textos seus publicados em revistas literárias eletrônicas brasileiras, como
Mallarmargens, Germina e na portuguesa Incomunidade. Publicou também no
Suplemento Literário de Minas Gerais e no Jornal RelevO. Participou da
exposição Poesia agora, que esteve em cartaz no Museu da Língua Portuguesa em
2015. É autora dos livros de poemas Distraídas
astronautas (Patuá, 2014) e Movimento
em falso (Patuá, 2016).
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