quarta-feira, 21 de agosto de 2019

REGISTROS. TAMBÉM ESTIVEMOS EM POMPEIA. SIMONE TEODORO. SOBREVIVEMOS PARA CONTAR







Também estivemos em Pompeia é o terceiro livro de Simone Teodoro. Neste novo trabalho, a poeta acerta, ao tensionar, em versos de muita originalidade, toda a desilusão que faz sombra aos dias que testemunhamos. Não há dúvida de que cabeças cortadas ou por cortar, há muito, catalisam a poesia contemporânea ocidental, mas, na época e lugar que ocupamos, diferentes vetores parecem favorecer a decepção e a tristeza. Os poetas não conseguiriam esquivar-se de revolver esse magma. Ainda assim, nos versos de Simone, luz e sombra se alternam (“E mesmo que / qualquer resto de amor / arraste um sistema solar para o seu nada / você sabe que Tempo / é o nome de deus / e que ele não é bom, nem ruim / porque Tempo é para além”) e destroços podem ser azuis, enquanto guarda-chuvas vermelhos contrastam com coágulos. “Como não ser triste?”, provoca o poema. E vem o alerta para a polarização a que o mundo assiste, na qual aos menos favorecidos não resta senão perseguir a pedra que desce e desce . A cidadania é um “fragmento de universo à deriva”. Sim, na dinâmica moderna, “há gatos com gestos de príncipes” que nos enganam e nos prometem happy ends de fábula. Tem-se a sensação de que “deus está mancando” e a desesperança ocupa o altar. Com o coração nas mãos, a beleza de um poema como “No fundo do tubo de minha solidão de metal” emociona. A mensagem de Simone não é de desistência, mas, antes, de que se deve sonhar. A despeito do vulcão, aprender “a insultar o abismo / com um passo de dança”. Todos temos lembranças de erupções, “Um arder / de ruína / corroendo / o sol / por dentro”. Mas, afinal, se podemos fazer essa constatação, é porque estivemos em Pompeia – e sobrevivemos para contar.


Também estivemos em Pompeia, de Simone Teodoro, Editora Patuá, 2019, 120 páginas



O BAÚ I

The last day of summer,
melancolia escapa pelos fones de ouvido, gás tóxico
preenchendo as interrogações das orelhas

Quando foi que me metamorfoseei em glândula de chorar
pelo que
por descuido ou maldade
se derrama?

Quando estar só é um osso quebrado
delirar dragões que despencam
sinfonias que matam
árvores que apaziguam desalentos

Como não ser triste
quando a morte é animal com fome
esperando no primeiro atalho do bosque?

Quando sulfurosa decrepitude
desavergonhadamente
sorve nossa seiva e sonhos?

Como não ser triste
quando o que eu mais amo
sem explicação nenhuma
se desvanece?

Quando os brutos
chupam o tutano das costelas dos mansos
em mesas fartas?

Quando os simples
são atirados em compactadores de lixo
quando o chorume é o cheiro do mundo?

Como não ser triste
quando
do Baú de minha infância
exumo cores
claves de sol
e as carcaças de todos os meus cães assassinados?



TAMBÉM ESTIVEMOS EM POMPEIA

Também estivemos em Pompeia
O sol açoitava as pedras
sonhando repetir a lava

Também estivemos em Pompeia
Respirando a poeira do tempo

O Vesúvio era apenas
inofensivo amontoado de rochas distantes
ou uma boa ideia para um nome de gato

Também estivemos em Pompeia

Se eu estiver em fuga
se uma língua de vulcão extrair de meus ossos
minhas carnes
eu vos rogo
jamais preencham minha carcaça
com gesso
ou com outras substâncias moldáveis

Jamais, vos suplico
aprisionem meu medo
num rosto apavorado de estátua.



NO FUNDO DO TUBO DE MINHA SOLIDÃO DE METAL

Minha solidão é um caleidoscópio

A cada movimento
uma lasca de vidro
manchada de tinta
se enlaça a outra
de variada cor

No fundo do tubo
de minha solidão de metal
há profundidades de bosques

há o vento de outono
soprando
os
fios de ouro dos cabelos

Há a curva onde te perdi
No caleidoscópio de minha solidão
no fundo do tubo
de minha solidão de metal
&
de cacos de vidros coloridos
entre réplicas de tua imagem
&
barulho de chuva
as cores gritam teu nome.






A autora: Simone Teodoro é mestra e doutoranda em Literatura Brasileira pela UFMG. É poeta. Há textos seus publicados em revistas literárias eletrônicas brasileiras, como Mallarmargens, Germina e na portuguesa Incomunidade. Publicou também no Suplemento Literário de Minas Gerais e no Jornal RelevO. Participou da exposição Poesia agora, que esteve em cartaz no Museu da Língua Portuguesa em 2015. É autora dos livros de poemas Distraídas astronautas (Patuá, 2014) e Movimento em falso (Patuá, 2016).



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