Com as influências de poetas da estirpe de William Carlos
Williams, Wallace Stevens, Kenneth Rexroth, Donald Hall e W.S. Merwin, André
Caramuru Aubert compôs o belo Se / o que eu
vi, coletânea de poemas que ainda traz tinturas da poesia chinesa clássica,
ao preferir a insinuação da prosa e referências ao campo, à natureza, que o
poeta transplanta à urbe, como se um Yangtzé cortasse São Paulo. O título já
encaminha aos quadros-poemas (quadros retratam momentos e os fixam), nos quais
as memórias (o verbo lembrar é reiterado) sintetizam a perplexidade diante da
rapidez da vida, da finitude. Talvez o mais sedutor dos livros de poesia de
André, cujo trabalho, dialogando com a poesia contemporânea americana, escapa
ao mainstream lusófono. O primeiro
poema, “Se”, é um anzol, fisga desde logo o leitor: “como se a cada manhã, / a
cada novo dia, o fim, / um fim horrendo, cruel e sujo, / um verdadeiro
apocalipse, enfim / (você me entende?), / fosse uma possibilidade bastante real
/ e concreta”. Leitura e tanto.
Se / o que eu vi, de André Caramuru Aubert, Editora
Patuá, 2019, 94 páginas.
21:38
sentada no ponto de
ônibus uma
mulher, sozinha, mexe
no celular. na
esquina, um catador de
lixo dobra caixas
de papelão para
empilhar na carroça. a luz
branca do poste
atravessa as folhas da sibipiruna,
salpicando o asfalto
de manchas quase claras.
sabem ser bem tristes,
às vezes,
as noites de são
paulo.
AINDA
ainda estava vivo, ele
podia
sentir. ainda sentia.
o vento,
os sons, algumas
cores, alguns
odores, a chuva. a
náusea,
principalmente a
náusea. mas tudo
passava tão ligeiro.
tudo era
tão confuso. o que
havia sido, o que
estava sendo. os sons
não
explicavam, ninguém
explicava,
ele ainda.
UMA MONTANHA
uma folha em branco,
uma
caneta. eu invento uma
montanha. com
profundidade, cores e
tons.
com nuvens ao fundo,
vento e sons.
com pássaros, árvores
e mamíferos.
com moscas também, e
aranhas.
uma montanha. uma
folha em branco,
uma caneta.
eu inventei uma
montanha.
O autor: André Caramuru Aubert, bacharel e mestre em História
pela USP, é colaborador do jornal Rascunho, para o qual seleciona e traduz,
todos os meses, os poemas de algum poeta estrangeiro. Tem publicados três livros
de poemas: Outubro / Dezembro, As cores refletidas nas lentes dos seus
óculos escuros e Se o que eu vi, todos
pela Editora Patuá; e cinco romances, entre os quais A cultura dos Sambaquis, pela Descaminhos, e Poesia Chinesa, pela SESI-SP
editora. Como parte de sua dissertação de mestrado, traduziu o Diário de um desesperado, escrito por
Fritz Reck, um opositor ao nazismo morto nos últimos meses da II Guerra, que
saiu publicado pela Sesi-SP editora, para a qual também traduziu, entre outras
obras, o livro de contos Areias Movediças,
de Octavio Paz. Atualmente trabalha em seu novo romance, Estevão, além de coordenar as edições brasileiras do inventor dos
quadrinhos, Rodolphe Töpffer, dos quais os cinco primeiros, Monsieur Jabot (1833), História de Monsieur Cryptogame (1845) e
Monsieur Trictrac (1830), Monsieur Vieux Bois (1837) e Monsieur Crépin (1837) já saíram pela
SESI-SP editora.
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