Versos no camarim (Penalux, 2019), de Regina Celi Mendes Pereira, é uma ótima surpresa. Em
camarins, artistas se transformam para sua arte. Com versos no camarim, Regina
se transforma e transfigura a linguagem (“visto o mundo / com os olhos / das
minhas palavras”). Um “Tributo a Wittgenstein”, no primeiro poema, confirma o
que se constata ao final da leitura: o universo poético de limites largos é
autorizado pelo domínio da linguagem. Como é de boa poesia, “camuflados versos”
entram “rasgando / desafiando as cordas”.
O poder da palavra “lança dardos / no papel”, “de talho / em talo” –
diria também Clarice, sob o narrador de “A hora da estrela” –, “escultura / o
poema”. Sinestesias surgem (“o sentimento de ausência / aromatiza-se / em gosto
de framboesa”), questionando se os humanos estariam “unidos / no saguão das
causas perdidas”. Poemas como “City(ados)” e “Divã” encantam e assombram. A poeta sabe “ler a mão / linhas e
cartografias / desenhar à mão / destinos / em notas de rodapé”. Ao lado de
Huidobro e de Regina, que o verso seja chave, “que nos seja / eterna / a graça” da poesia.
Versos no Camarim, de
Regina Celi Mendes Pereira, Editora Penalux, 2019, 82 páginas
TRIBUTO A WITTGENSTEIN
“os limites de minha linguagem
são os limites de do meu mundo”
visto o mundo
com os olhos
de minhas palavras
o mundo que dispo
não é o que te veste
equilibro
o tênue traço da
palavra
sitiando desertos
revelando oásis
no mesmo mundo que
vivemos
o meu céu madruga
teu sol poente
nos encontraremos,
sempre,
na língua,
nos abraços das
esquinas.
DIVÃ
metaforizei todos os
medos
em insetos kafkianos
mas não os comi,
Clarice
organizei-os numa fila
uma seleção não
natural
[Darwin que me perdoe]
só os antipáticos
da barata ao odioso do
egito
colorida filogenia
todos emparedados
a pedir clemência
eliminá-los agora
é só uma questão
de qual melhor
inseticida
não mais de
consciência.
CITY(ADOS)
cidades e humanos
pulsam em vida e dor
sangram mistérios
em ruas e artérias:
fecundam-se
incestuosamente
geram minotauros
meio humanos
meio cidades:
por inteiro sitiados.
A autora: Regina Celi
Mendes Pereira nasceu em João Pessoa. É professora da Universidade Federal da
Paraíba, pesquisadora do CNPq, editora da Revista Prolíngua e coordenadora da
sub-sede da Cátedra UNESCO em Leitura e Escritura. Suas publicações em livros e
revistas são todas acadêmicas, em Linguística Aplicada, mas já publicou alguns
poemas no blog Zonadapalavra, na Mallarmargens, no suplemento literário Correio
das Artes e na Germina.
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