domingo, 18 de agosto de 2019

REGISTROS. VERSOS NO CAMARIM. REGINA CELI MENDES PEREIRA. A TRANSFIGURAÇÃO DA LINGUAGEM








Versos no camarim (Penalux, 2019), de Regina Celi Mendes Pereira, é uma ótima surpresa. Em camarins, artistas se transformam para sua arte. Com versos no camarim, Regina se transforma e transfigura a linguagem (“visto o mundo / com os olhos / das minhas palavras”). Um “Tributo a Wittgenstein”, no primeiro poema, confirma o que se constata ao final da leitura: o universo poético de limites largos é autorizado pelo domínio da linguagem. Como é de boa poesia, “camuflados versos” entram “rasgando / desafiando as cordas”.  O poder da palavra “lança dardos / no papel”, “de talho / em talo” – diria também Clarice, sob o narrador de “A hora da estrela” –, “escultura / o poema”. Sinestesias surgem (“o sentimento de ausência / aromatiza-se / em gosto de framboesa”), questionando se os humanos estariam “unidos / no saguão das causas perdidas”. Poemas como “City(ados)” e “Divã” encantam e assombram.  A poeta sabe “ler a mão / linhas e cartografias / desenhar à mão / destinos / em notas de rodapé”. Ao lado de Huidobro e de Regina, que o verso seja chave, “que nos seja / eterna / a graça” da poesia.


Versos no Camarim, de Regina Celi Mendes Pereira, Editora Penalux, 2019, 82 páginas


TRIBUTO A WITTGENSTEIN

“os limites de minha linguagem são os limites de do meu mundo”

visto o mundo
com os olhos
de minhas palavras

o mundo que dispo
não é o que te veste

equilibro
o tênue traço da palavra
sitiando desertos
revelando oásis

no mesmo mundo que vivemos
o meu céu madruga
teu sol poente

nos encontraremos,
sempre,
na língua,
nos abraços das esquinas.

DIVÃ

metaforizei todos os medos
em insetos kafkianos
mas não os comi, Clarice

organizei-os numa fila
uma seleção não natural
[Darwin que me perdoe]
só os antipáticos

da barata ao odioso do egito
colorida filogenia
todos emparedados
a pedir clemência

eliminá-los agora
é só uma questão
de qual melhor inseticida
não mais de consciência.

CITY(ADOS)

cidades e humanos
pulsam em vida e dor
sangram mistérios
em ruas e artérias:
fecundam-se

incestuosamente
geram minotauros
meio humanos
meio cidades:
por inteiro sitiados.





A autora: Regina Celi Mendes Pereira nasceu em João Pessoa. É professora da Universidade Federal da Paraíba, pesquisadora do CNPq, editora da Revista Prolíngua e coordenadora da sub-sede da Cátedra UNESCO em Leitura e Escritura. Suas publicações em livros e revistas são todas acadêmicas, em Linguística Aplicada, mas já publicou alguns poemas no blog Zonadapalavra, na Mallarmargens, no suplemento literário Correio das Artes e na Germina.


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