Termino de ler A
serenidade do zero (Penalux, 2017), de Alexandra Vieira de Almeida. Quem a
conhece das belas resenhas também sabe da extrema cultura e do fácil manejo das
palavras. Neste seu livro, como no poema “Desimaginar”, “Quanta imaginação em
escrever o poema exato / em sua dinâmica de “chiaroscuro” / equilibrando as
potências do universo”. A icônica poeta Lina Tâmega Peixoto, a quem vejo
lindamente homenageada no poema “A morte do centauro”, ensinou-me que
determinadas palavras revelam a essência de uma obra. Aqui, a partir de um zero
primordial, sereno, silencioso, a poesia oferece ressignificações, “Um elétrico
transe”, e ascende ao sol, que “se enche de verbo”. Nenhuma superficialidade – e
o leitor, “peixe fora do aquário”, segue provocado (“transcendências não
existem”) com questionamentos que vão para além do humano (“Ou Deus é o próprio
vazio que o homem não comporta?”). Como não poderia deixar de ser, Alexandra
aceita “o combate” e “as barricadas estão prontas”. Linda edição de Wilson Gorj
e Tonho França.
A serenidade do zero, de Alexandra Vieira de Almeida, Editora Penalux, 2017, 99 páginas
A MORTE DO CENTAURO
Para Lina Tâmega
Peixoto
No lago, um golpe de
machado
Feito de céu e terra
ele se fragmenta em
dois
fazendo suas partes
desiguais
voltarem aos seus
originais habitats
Metade água, metade
fogo
o homem tenta
construir em vão um centauro de argila
querendo imitar a sua
complacência de animal espiritual
Sabedoria dos anos, em
sua natureza plena
derrama o sangue vivo
dos ensinamentos
acumulados como livros
de mistérios
Em seu último gemido,
deixa o grito se escoar pelas águas
levando da constância
o caminho para o vazio
De terra, de céu, de
fogo e de água
os homens e os
centauros se igualam no seu vazio inaugural
Após aquela ceia de
morte, a vida e a morte se igualam
Não há nada que limpe
aquela mancha na terra
Só resta ao homem
ultrapassar o sangue e a própria morte
que o centauro deixara
ali como lembrança de vida.
ALFABETO
TRANSCENDENTAL
Para Raquel Naveira
Um alfabeto que
silencia a escrita
Que faz das letras um
atalho para uma estrada esburacada
No meio da lama,
encontro uma joia de medos
O medo insípido da
humanidade
Em soletrar um
alfabeto de cemitérios
Busco a transcendência
das formas das letras
Suas sobrevidas, seus
fantasmas
As palavras se
inauguram na sua disformidade
Não na sua incumbência
de levar a outro signo
Que não os signos das
estrelas
As letras do alfabeto
desencarnadas da vida
Não se fazem corpo de
memórias
Mas batismo de
espíritos translúcidos
Nas águas da unidade
em meio a qualquer diferença enganosa
A comunhão dos signos
Se faz pela hóstia do
silêncio
Que traduz o que a
boca não vê
Transcendência de
nomes
No papel mágico da
vida.
A FRAGILIDADE DO ESTAR
A fragilidade do estar
do sentir a pele à
beira do abismo
Ser ou estar?
Estar é uma dor do
tempo
na inconstância das
janelas fechadas
Não ser é a vastidão
do infinito
no brinquedo da
desrazão
A fragilidade
tem que se tornar uma
força
na contagem dos zeros
multiplicados em
versos
Poemas que não se
deixam
entreter pela razão do
mérito
O esvaziamento das
caixas
abarrotadas de
sentidos
Proliferação de vespas
que ferem o escudo do
mundo
Frágil, o homem
construirá uma
fortaleza de errância
vagando no descaminho
da luz e da sombra.
A autora: Alexandra
Vieira de Almeida é poeta, contista, cronista, resenhista e ensaísta. Tem
Doutorado em Literatura Comparada (UERJ).Trabalha como professora na Secretaria
do Estado de Educação (SEEDUC) e tutora de ensino superior a distância (UFF).
Tem cinco livros de poemas publicados, sendo o mais recente A serenidade do zero (Penalux, 2017).
Tem poemas publicados em antologias, revistas, jornais e alternativos por todo
o país e também no exterior. Seus poemas foram traduzidos para vários idiomas.
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