domingo, 1 de setembro de 2019

Três poemas de Ana Maria Lopes






ESTILHAÇOS

Enquanto observo os pássaros
Percebo
que mais uma vez
observo os pássaros

Eu, que a eles não desprezo,
prendo-me em asas
em voos, ao abismo

Mas ela – a que observa os pássaros –
pede mais
e pode ser síntese, ser senso, ser cisne
e voar e nadar
em todas as águas
e odores do ar

Há mais estilhaços
nesses espaços
do que aflição e agonia
na Avenida Paulista.






SAÍDA

Quis sair mas
não consegui penetrar o mundo
e descobrir o nome do impossível

torturei maçanetas
e um pensamento úmido
esgarçou os dias

estico os músculos
e espreguiço na tentativa
de alcançar os oceanos

bebo a cãibra
e me desembaraço do abraço

sumir carece de pouca coisa:
que o carnê acabe
que o filho cresça
que o botox devolva o sorriso
e a grama brote

aí sim, poderei cuidar do paraíso.






TANTO FAZ

Preparei você em mim
há muitos anos
num tempo em que não mais se conta

Guardei seus olhos para quando você me esperar
na porta
E não importa se minha mão não existir mais

ou se essas palavras não existirem
como a seita de Ho No Hana Sanpogye

Seu corpo no meu pode ser miragem
talvez viagem das ervas que se encenam o ser

Você em mim lê as linhas do rosto
e o gosto de sal denuncia minhas pegadas no mar

Mas saio pela tarde que arde a 38 graus
sem saber que a vida pode ser uma degola
ou o afogamento num copo de coca-cola.






Ana Maria Lopes é jornalista, poeta e resenhista. Têm três livros de poemas publicados: Conversa com Verso (LGE), Risco (Libris) e Mar Remoto (Maria Cobogó). Participa de várias antologias de poemas e prosa, bem como de e-books. Participa do Mulherio das Letras e integra o Coletivo Editorial Maria Cobogó.

Imagens: Andreas Gursky


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