ESTILHAÇOS
Enquanto observo os
pássaros
Percebo
que mais uma vez
observo os pássaros
Eu, que a eles não
desprezo,
prendo-me em asas
em voos, ao abismo
Mas ela – a que observa
os pássaros –
pede mais
e pode ser síntese, ser
senso, ser cisne
e voar e nadar
em todas as águas
e odores do ar
Há mais estilhaços
nesses espaços
do que aflição e agonia
na Avenida Paulista.
SAÍDA
Quis sair mas
não consegui penetrar o
mundo
e descobrir o nome do
impossível
torturei maçanetas
e um pensamento úmido
esgarçou os dias
estico os músculos
e espreguiço na tentativa
de alcançar os oceanos
bebo a cãibra
e me desembaraço do
abraço
sumir carece de pouca
coisa:
que o carnê acabe
que o filho cresça
que o botox devolva o
sorriso
e a grama brote
aí sim, poderei cuidar do
paraíso.
TANTO FAZ
Preparei você em mim
há muitos anos
num tempo em que não mais
se conta
Guardei seus olhos para
quando você me esperar
na porta
E não importa se minha
mão não existir mais
ou se essas palavras não
existirem
como a seita de Ho No
Hana Sanpogye
Seu corpo no meu pode ser
miragem
talvez viagem das ervas
que se encenam o ser
Você em mim lê as linhas
do rosto
e o gosto de sal denuncia
minhas pegadas no mar
Mas saio pela tarde que
arde a 38 graus
sem saber que a vida pode
ser uma degola
ou o afogamento num copo
de coca-cola.
Ana
Maria Lopes é jornalista, poeta e resenhista. Têm três livros de poemas
publicados: Conversa com Verso (LGE),
Risco (Libris) e Mar Remoto (Maria Cobogó). Participa de várias antologias de poemas
e prosa, bem como de e-books. Participa do Mulherio das Letras e integra o
Coletivo Editorial Maria Cobogó.
Imagens:
Andreas Gursky
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