domingo, 1 de setembro de 2019

Três poemas de Tito Leite








STRAVINSKY


A vida, ainda que hercúlea,
é estreita: não há iluminuras
sem o extermínio de uma estrela.

Em cada ode, o poeta canta
uma morte: como quem recria
uma semente de alegria
no recreio dos segregados.

Rosa primavera sacrificada.
Queremos o insonhável:
a sagração do juízo inicial.






ETERNIDADE


A poesia é avis rara
num mundo raso.

A dúvida faz parte
de cada bago do poema.

O poeta trucida
o coloquial e seus oficiais.

Se o ofício do dia
é um batismo de sangue,

ele não teme as flores
dementes.

Se a lógica dos abutres
aponta para o óbvio,

o poeta agarra-se
ao mito que nunca morre.






POETA

                                  À Silvana Guimarães

Ana gosta
de ficar a sós
com o seu nó
na garganta.

De ficar a sós
com os seus pássaros
nas entranhas.

Se ela rasga
o céu da boca,
a solidão transmuta-se
em poema.






Tito Leite (Cícero Leilton) nasceu em Aurora/CE (1980). Poeta e monge, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tem experiência na área de ensino de Filosofia, com ênfase em Filosofia Política, Ética, Filosofia da Ciência e da Tecnologia. Autor dos livros de poesia Aurora de cedro (7Letras, 2019) e Digitais do caos (Selo Edith, 2016). É curador da Revista Gueto.


Imagens: Wendy Titterton, Giuseppe Arcimboldo, linco7n (Google)

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