domingo, 1 de setembro de 2019

Dois poemas de Priscila Merizzio








A mão do homem bélico
perverte os animais
conjectura os obuses do dia-a-dia
sanha e afia a navalha
pondo em dúvida o caminho do amor
há também mãos que são limpas
elas tiram os relógios de pólvora
lavam as veias com água pura
seus pulsos estão sempre à mostra
se espalmam ao sol
em concha, recebem a lua
estão em busca da verdade
do halo impecável das abelhas
estas mãos desfazem silêncios
acordam do sono os que despenharam em vida
trançam em suas traqueias uma nova linguagem:
a linguagem da esperança.

estas mãos são herança de Deus
elas perfilam o minúsculo coração das aves,
seus pulmões cantando o verso que salva.






Somos uma torrente de sangue destruindo cidades
escrevemos enquanto esta gente é traficada,
temos à mão a luz do sol, e achamos que isto é pouco
depredamos todo o tipo de vida
quem nos deu este direito?
não somos escritores, não somos poetas
fazemos parte do time das gárgulas
hora a hora nosso canto é ouvido pelos corvos:
que empáfia! achamos que é por nós
se as frutas pudessem, fugiriam de nossos dentes
e as cidades só abraçariam objetos, animais e plantas
mas o homem acha que é por ele que o espaço silencia
e vê tudo como um mistério a ser decifrado
na hora da fome pendura amuletos e dança, dança
tal qual uma galinha sem cabeça, à espera da própria sangria







Priscila Merizzio é curitibana. Tem dois livros de poemas publicados: Minimoabismo (ed. Patuá, 2014), semifinalista do Prêmio Oceanos 2015, e Ardiduras (ed. 7 Letras, 2016). Mestre em Estudos de Linguagens pela UTFPR, com o tema de pesquisa: Matizes surrealistas no poema "O Amor em Visita", de Herberto Helder (2019) e sócia-fundadora do projeto literário Pulmões Versos. Seu próximo livro de poemas, O amor embebedou as feras, está no prelo, pela editora Kotter. 


Imagens: Pinar Yoldas

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