I
batem duas
vezes à porta e minha disposição em abri-la é tão miúda quanto a certeza
de que sobreviverei a mais um processo de desconstrução. não quero
coadjuvantes. minha dor é egoísta. solitária. aguda.
e de dor eu
entendo como ninguém.
II
sou mulher de
prantos.
choro por tudo
e nada. e o nada tem sido bem mais que tudo. choro manso para despistar os
demônios. choro baixo para enganar meus fantasmas. ninguém desconfia de
nada. e o mundo segue - presumivelmente - feliz.
sem
mim.
III
III
sinto faltas
essenciais: de algum amor, de alguma paixão, de algum sexo. e de
tempestades. o que antes era profuso agora é reto. e esta linearidade me
apavora. não estou preparada para viver em calma perpétua. quase
morta.
ainda
não.
IV
IV
passei metade
da vida levantando bandeiras e tentando compreender meus abismos. passei a
vida inteira carpindo a dor alheia e perdendo meus sonhos em qualquer
lugar.
logo eu, que
nunca soube advogar em causa própria, apostei todas as fichas no mesmo
jogo.
e
perdi.
V
V
confesso que
fui muitas sem ser nenhuma. confesso que me apaixonei demais e amei de
menos. confesso que não me lembro de alguns cheiros. de algumas carícias.
e do meu primeiro beijo.
(...)
VI
entre meus
dedos, o terço - presença física de minhas crenças - queima. ando
esquecida dos mandamentos. e já não sei onde foi parar meu último pecado.
aquele do qual nunca me arrependi.
a imagem da
Virgem me enxerga, entende e consola.
ah!, Senhora,
estou nua. tem piedade de mim.
VII
VII
foi por minha
conta e calculado risco que me meti em claustro (mais uma vez) e
calei a boca (mais uma vez).
batem
novamente à porta. (estou assustada). do lado de lá esperam pela
mulher de sempre. pelo riso fácil. pela boca pródiga em contar
histórias.
do lado de lá
esperam por respostas que não tenho.
nem
pra mim.
mariza lourenço
[imagem ©Alina Kurysheva]
Que belo texto, Mariza! Comovente!
ResponderExcluirAdorei Mariza! a linearidade... em algum momento ela chega e assusta mesmo!
ResponderExcluirMuito bom, como sempre.
ResponderExcluirProsa mais do que poética, um desabafo existencial construido em fragmentos. "passei metade da vida levantando bandeiras e tentando compreender meus abismos. passei a vida inteira carpindo a dor alheia e perdendo meus sonhos em qualquer lugar."
ResponderExcluir"sinto faltas essenciais: de algum amor, de alguma paixão, de algum sexo. e de tempestades. o que antes era profuso agora é reto. e esta linearidade me apavora. não estou preparada para viver em calma perpétua. quase morta.
ResponderExcluirainda não." é isso que faz da prosa poética a musa mór.
Viva! Minha contista predileta! Sua comédia humana me humaniza com jeito e graça!
ResponderExcluir"e de dor eu entendo como ninguém". e de contos entende como ninguém!
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